Quando eu era apenas uma criança que brincava com LEGO...
No Fórum da Comunidade 0937, o membro Ztp criou um tópico entitulado "E vocês? Como era? De que se lembram?", onde ele próprio começou por escrever um pouco sobre as suas recordações de criança de quando brincava com LEGO. Depois de ler as palavras dele, parei para pensar em qual seria a minha resposta e comecei efectivamente a escrever uma resposta naquele tópico, mas o que é certo é que - e não estranhamente - acabei por me alongar nas palavras, o que justificou perfeitamente a criação deste post. Assim, aqui fica um pouco do que foi a minha relação com o LEGO, não enquanto Designer, AFOL ou qualquer outra designação: simplesmente como criança.
O primeiro presente que eu me recordo de ter recebido foi LEGO: o set 6552 (foto). Desde então, durante anos, os presentes que pedia eram LEGO. Dos meus primos, com quem brincava, sempre fui o único que realmente amava brincar com LEGO, mas muitos deles também gostavam e passámos horas e horas a brincar...
Eu era o único que tinha LEGO, então vinham sempre para minha casa. Lá fora no pátio, ou mesmo na mesa da cozinha, na sala ou no meu quarto, lá aterrávamos nós com o meu cesto de LEGO (semelhante ao da imagem), que media à volta de 50cm x 35cm.
Não tive muito LEGO em miúdo, mas ainda assim tinha o suficiente para construir tudo o que queria. É incrível como agora o nível de insatisfação é tão ridiculamente superior! O que eu quero dizer com isto é que quando era miúdo as pouquíssimas peças que tinha chegavam para construir uma casa, um carro (ou dois, ou três...), um castelo, um avião, um barco, um laboratório de agentes especiais cheios de gadgets e portas que deslizavam... Não tudo junto obviamente, mas nunca me faltavam peças! Nunca sentia que tinha de ter aquela peça específica para a minha criação ficar perfeita! Depois de crescido - e de me ter tornado num ABOL* - todas as peças que tinha nunca eram suficientes! As compras no BrickLink eram uma constante!
Eu construía por pura diversão! O simples acto de criar dava-me um prazer imenso, por isso era comum depois de terminar de construir algo querer desmontar para recomeçar o processo. O meu irmão mais novo 3 anos, com quem brincava mais vezes, é que não achava tanta piada à coisa, visto que ele queria montar algo para depois brincar efectivamente com o que criávamos. Por exemplo, eu nunca fui do tipo de miúdo que construía uma nave ou um avião para fazer swoooosh com eles pela casa! Ou de criar um carro para andar a deixar marcas no pó dos móveis (até parece que a minha mãe deixava os móveis acumularem pó! Se ela lê isto.... ;D). Eu queria criar, criar, criar.... E a solução era simples: criar, admirar, às vezes mostrar à mãe e de longe a longe também ao pai (se estivesse em casa, porque não ia ficar a apanhar uma seca até ao jantar à espera que ele chegasse para lhe mostrar! :D ) e no fim desmontar para recomeçar!
Lembro-me também das muitas vezes em que pegava no meu cesto e corria com ele lá para fora ou para outra divisão da casa e tropeçava (às vezes nos meus próprios pés) e tudo se espalhava pelo chão... Aí doía! E não era pela queda ou pisadelas que dela podiam advir! Vasculhava todos os cantos porque não queria perder nenhuma peça! E sobre isto recordo-me perfeitamente de uma vez ter deixado cair umas peças de um dos meus sets mais antigos (o 6048 - foto) e nelas estava incluída a varinha mágica do Mago. Procurei, procurei... foi na sala de jantar. Lembro-me perfeitamente de ter arrastado todos os móveis - mesmo correndo o risco de deitar alguma das louças da minha mãe ao chão. Bem que ela dizia "O chão não é furado! Procura, tem de estar em algum lado!", mas a partir desse dia eu deixei de acreditar nela: o chão era furado sim!! De facto havia umas "crateras" pequeninas na tijuleira, criadas pela humidade, penso eu, e eu olhava para elas como se estivesse a ver um buraco negro: "suas comilonas de peças... devolvam-me a varinha!!". Isto é verídico! Eu realmente comecei a acreditar que aquele chão me estava a comer peças a certa altura.
Desde pequeno que todos os anos ia com a minha mãe e o meu irmão passar 15 dias de férias na Praia, algures por Lavadores, em Vila Nova de Gaia. Durante anos fomos ficando em casas diferentes, quase de ano para ano. Mas por volta dos meus 8/9 anos a minha avó alugou uma casa onde acabámos por passar férias durante os 8 anos seguintes. Aí conheci um neto da dona da casa e um amigo dele (ambos da minha idade mais ou menos), que também gostavam muito de LEGO e partilhavam uma colecção maior do que a minha. Durante várias tardes, depois da vir da praia e enquanto a minha mãe preparava o jantar, ou então depois do almoço enquanto esperávamos para ir para a praia, cada um levava o seu "cesto" ou caixa de LEGO e lá íamos brincar para o alpendre da frente da casa. Cada um brincava com as suas peças, mas a certa altura começámos a cobiçar as peças um do outro e as trocas começaram. Eu lembro-me que tinha um cavalo preto e um castanho e um pónei. Ele não tinha cavalo nenhum, então um dos negócios envolveu a troca do meu cavalo castanho por um punhado de peças dele. Lembro-me também perfeitamente do sermão que ouvi quando a minha mãe viu um cavalo castanho na caixa dele e nenhuma na minha: "Tu não tinhas um cavalo castanho também?"... "Pois...."
Todos os Verões, as brincadeiras se repetiam, durante pelo menos 3 ou 4 anos, depois vieram as consolas como a GameBoy e Playstation, e os jogos do Pokemon e Yu-Gi-Oh - a juntar aos constantes comentários cada vez mais desagradáveis de que eu já não tinha idade para brincar com LEGO - e o meu cesto de LEGO começou a deixar de ir comigo para férias... E começou a deixar de sair do canto do meu quarto onde sempre o deixava quando acabava de brincar... E depois foi levado para o sótão... e durante anos aquelas peças mágicas, cheias de cor, ficaram cobertas de pó e escuridão no sótão.
Sempre que precisava de ir buscar alguma coisa ao sótão e passava pelo cesto, parava uns segundos a olhar para elas... "Que saudades..." Felizmente, há já quase dois anos e meio tive um momento de clarividência e tomei a decisão mais acertada da minha vida (depois da decisão de não comprar um iPhone há também dois anos e meio atrás! :D): que foi o simples pegar de novo no meu velho cesto de LEGO e lavar as minhas peças para recomeçar a criar...
Não sei se consegui passar para vocês o que realmente significou para mim voltar ao LEGO - às vezes as palavras não são suficientes, mas se hoje estou a viver na Dinamarca, a trabalhar como LEGO Designer, num emprego VERDADEIRAMENTE de sonho, é porque... e não posso deixar de considerar todos os outros factores que me fizeram chegar aqui: como a minha educação, o apoio dos meus pais, a minha perseverança e o meu trabalho, mas se hoje estou onde estou, pode não ter sido sobretudo, mas foi com certeza em grande parte porque tive a sorte de encontrar esta Comunidade. E obviamente quando falo na Comunidade não estou a falar dos 1000 e tal membros registados, ou das plataformas de info/comunicação, estou a falar das pessoas que conheci e que me ajudaram a redescobrir, reaprender e amar cada vez mais aquilo que hoje posso orgulhosamente dizer que é a minha profissão!
Bem, obrigado Ztp por me teres feito reflectir sobre tudo isto. Acho que ainda não o tinha feito de uma forma tão aprofundada. E estando tão longe da minha família e dos meus amigos, "lembrar" não é propriamente a coisa que mais procuro fazer por aqui: é uma defesa no fim de contas. Mas soube bem! ;)
Só resta dizer, para terminar - e porque não me recordo se já o tinha feito - obrigado, Comunidade 0937 - vocês sabem quem são! ;)
Ate logo.
P.S. Podem acompanhar o tópico que despoletou todas estas recordações aqui!
* Adult Builder Of LEGO (Adulto Construtor de LEGO)
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